domingo, 12 de fevereiro de 2012

Fronteiras Identitárias entre os Maracatus Nação


Em  artigo sobre o conceito de Nação aplicado aos maracatus, Ivaldo Marciano de França Lima afirmou que constitui uma nação de maracatu o grupo de compartilha de um ethos, dentre outros elementos. Para Roberto Cardoso de Oliveira, Barth e outros estudiosos da identidade étnica, o compartilhar uma cultura comum é central para o reconhecimento identitário.

Neste anos estudando a história dos maracatus, conversando com um sem número de maracatuzeiros e maracatuzeiras, posso assegurar que a diferença entre os grupos percussivos e os maracatus nação parecia bastante clara: os primeiros não se constituíam numa nação porque não compartilhavam práticas culturais em comum, tais como pertencimento a terreiros religiosos, convívio cotidiano numa comunidade, compartilhamento de história e memória. 

Conversando neste ano com alguns grupos percussivos, este ano, percebi claramente que as fronteiras entre o que constitui um maracatu nação e um grupo percussivo estão sutilmente (às vezes nem tanto) sendo questionadas. Enquanto alguns grupos, como o Cabra Alada, não se pretendem uma nação, mas se afirmam como grupo percussivo, ou seja, conjunto de pessoas que tocam e dançam maracatu, sem os compromissos de uma nação, outros grupos reivindicam para si a alcunha de nação de maracatu. É o caso do Maracatu Nação Pernambuco.

Pode parecer uma confusão para o leitor que apenas gosta de tocar ou ouvir maracatu. Mas é uma questão boa demais para pensar e não poderíamos deixar passar despercebida. Nos dias atuais, em que maracatus nação estão na moda, em que fazem tanto sucesso, como na abertura do Carnaval com Naná Vasconcelos, ao mesmo tempo em que cresce o número de grupos percussivos por toda a cidade, quais questões podemos formular. O que pensar sobre o fenômeno desses contatos, que ocorrem não só com a participação de jovens de classe média nos batuques das nações, mas também com o convívio em territórios múltiplos, pelas ruas de Olinda e do Recife Antigo, como na noite do Traga a Vasilha, evento que ocorre toda sexta-feira, a partir das onze horas da noite, numa das esquinas próximas à rua da Moeda.

Qual não foi minha surpresa ao me deparar com o convite acima, listando os grupos de maracatus que participarão neste ano de 2012 da Noite para os Tambores Silenciosos de Olinda!

Este evento vem ocorrendo desde 2001, na segunda-feira que antecede o carnaval. Evento criado por iniciativa de Armando Arruda, sob a denominação de Adarrum, passou a ser organizado pela prefeitura de Olinda, até 2005 quando recebe a colaboração da Associação dos Maracatus de Olinda. Assim como na atual Noite dos Tambores Silenciosos do Recife, a celebração de Olinda também trata de cultuar os ancestrais ou antepassados, além de solicitar proteção para o período carnavalesco. As agremiações participantes saem em cortejo dos Quatro Cantos, sítio histórico de Olinda, até o largo do Rosário, onde se concentram em frente à Igreja da Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. À meia noite os tambores silenciam e cantos louvando os ancestrais são entoados pelo mestre do Maracatu Nação Leão Coroado e praticante do candomblé, Afonso Aguiar. Em seguida, as escadarias da igreja são lavadas com perfume, e o batuque dos maracatus prossegue. No evento participam não só os filiados da Associação de Maracatus de Olinda, como também outros maracatus convidados. Vale destacar que, diferentemente da Noite dos Tambores Silenciosos do Recife, em que só maracatus nação participam, nesta celebração há a participação de grupos e agremiações que não são reconhecidas como nações pelos grupos mais tradicionais de maracatus. Agremiações como Maracambuco, Camaleão, etc, que participam da Noite para os Tambores Silenciosos de Olinda, são consideradas como “grupos percussivos”. Este ponto sinaliza para a questão das fronteiras identitárias dos maracatus na contemporaneidade, apontando que esta fronteira pode estar se ampliando para incorporar os grupos percussivos como maracatus nação.

Mas algo muito estranho aconteceu este ano: os grupos tradicionais de maracatu, considerados por seus pares como nação de maracatu, a exemplo do Leão Coroado,  do Estrela Brilhante de Igarassu (ambos reconhecidos como Patrimônio Vivo de Pernambuco), do Axé da Lua e do Tigre, não ganharam o reconhecimento de nação! E são denominados como nação os grupos percussivos: Nação Pernambuco, Nação Camaleão, Nação Badia, Nação Maracambuco, Nação Estrela de Olinda.
E agora? Que questões podemos formular sobre este fenômeno?

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